Cartas fora do tempo - uma nova viagem
...quanto silêncio...
...ainda tem alguém aí?
Oi?
Oi...!
Meses de silêncio atarefado, porém sem suspeitar do que viria pela frente, e agora...isso, que, pra mim, já faz seis meses.
Um vírus, uma ameaça global à vida, a tudo o que é conhecido e: toda a gente empurrada para um caleidoscópio de telas, telas de telas, telas de telas de telas, representações retorcidas do real em meio a um lamaçal de pós-verdade e de muito, muito ódio.
Realmente, pensei em parar com essa newsletter em definitivo. Afinal, com que cara (editada? Uma não-cara?) vir aqui falar de arte, de poesia, quando tudo é uma grande derrota? Eu poderia falar de números. De estatísticas. De como esses números e estatísticas, na verdade, não são números e estatísticas porra nenhuma. Há nomes. Histórias e afetos e sonhos (parece que todo mundo esquece disso) que tinham CEP, raça, gênero. De como esses dados determinam quem vive e quem morre em um país (não-país?) que buscou, muito ativamente, toda essa destruição. E que segue buscando, com sorrisos em rostos sem máscaras.
Eu tô muito, muito exausta de tudo, e tenho certeza de que vocês também.
Mas ainda não desisti, e suspeito que não desistirei tão cedo.
Já que estamos falando de não-lugares, não-países, não-futuros, me vêm algumas perguntas que (acho, desconfio) conduzem o projeto novo que quero desenvolver a partir daqui, com vocês: não-lugares são habitáveis? São ilhas? Como habitar o inabitável?
No primeiro mês dessa quarentena (que estranho ainda chamar tudo isso assim, quando quase todo mundo voltou ao tal 'novo normal' - odeio mortalmente essa expressão), já dei com a cara no muro da falta de palavras, embora ainda não estivesse me sentindo tão desesperada, desenraizada, perdida e cansada quanto agora, com alguns poucos intervalos de algo parecido com leveza.
A sensação que surge é a de perder um endereço muito importante, onde se deve chegar o mais rápido possível, antes que caia um temporal de proporções impossíveis.
Depois de tanto tempo enclausurada, desde quando eu comecei a rascunhar essas linhas, eu tenho voltado, muito devagar, a ter noção de que escrever, fotografar, fazer arte, é necessário, mais do que nunca.
Precisamos demais de quem conte as histórias.
Pensando nisso, sobre quais histórias eu devo contar, cheguei a uma conclusão importante:
Não vou mais escrever o meu segundo livro com o tema que eu havia escolhido - abuso, acerto de contas, cura, ainda que de uma perspectiva um pouco diferente. A MEADA cumpriu esse papel muito melhor do que um livro inteiro.
Percebi que, por mais válidas e urgentes que sejam as histórias, algumas delas acabam nos aprisionando feito música parada no mesmo ponto por disco riscado, arquivo corrompido, o que mais agradar a faixa etária de cada um :P
Eu sempre gostei de contar histórias e (acho) sempre fui boa nisso. Tanto é que uma das minhas brincadeiras preferidas era editar um "jornal" na garagem da casa do meu avô, cada edição "batida" na Olivetti Lettera 82 dele, perdida bestamente.
Mês que vem, outubro, se completarão seis anos da partida dele. Seis anos de histórias que (me) conto para lembrar. Para não esquecer de muita coisa que acabo perdendo de vista se me distraio.
Semana passada, dei uma sorte incrível e encontrei uma gêmea da Olivetti desaparecida, em condições perfeitas, quase não acreditei, chorei de emoção, de saudade.
Por isso, as próximas edições da news (ainda nessa sala querida, não se preocupem) serão de um novo projeto:
Cartas fora do tempo
Afinal, o tempo pandêmico é feito de uma substância toda outra. Numa época de nãos, talvez sobreviver envolva navegar um não-tempo. Uma espera sem horizonte distinguível. Acho que vai ser demais ter de volta, ainda que "emprestados" da memória, a garagem da casa antiga e o meu "jornal", na forma de newsletter, digitado à máquina e escaneado com todo o carinho e a empolgação que sou capaz de sentir (quem me conhece, sabe que, quando eu não tô na merda, eu posso ser uma pessoinha empolgada até demais, hahahahahaha)!
Vou continuar falando de processos criativos, de poesia, de referências, só que, agora, de uma perspectiva um pouquinho mais documental e focada em preservação de memória em tempos movediços :)
Obrigada por seguirem nessa sala comigo! Vem coisa bem legal por aí!
Beijos datilografados (e devidamente higienizados),